ABATIMENTO metafórico ou literal

Pantufa e depois sandália, pantufa e depois sandália… Tomei tantos remédios que não tive a capacidade de colocar o calçado certo, é difícil falar, andar e ver e ser e todas essas coisas inclusive pensar. Perdão meus leitores estou sendo levada pra um lugar melhor e fui dopada porque as vezes sou agressiva sabe…
Quer que ande mais devagar dona Mirtes?
Não quero falar, vou balançar a cabeça…
Então para um pouquinho, deixa eu te ajudar a se sentar…
Não… a gente…. Pode…
Tem certeza ? Quer uma água?
Vou gastar a última força que me resta:
fica… Calada…. Por favor.
Concreto, meio-fio, branco e concreto, branco e concreto várias vezes, outro meio-fio, a mulher abre os braços, atravessa o céu, um carro na frente, a mulher segura a porta.
Dona Mirtes ? Dona mirtes ?
Alguém me acorda, as rodas giram meu estômago, estão girando.
Para o carro Douglas, ela vai vomitar…

Olha como crescem as plantinhas em volta dessas pedras… vocês não iam acreditar nas pedrinhas tão pequenas sujas de vômito…
Dona Mirtes a senhora tá melhor?
Heloísa não tá vendo que essa daí tá drogada que não aguenta nem falar ?
Cala a boca Douglas.
Dona Mirtes… Olha pra mim… Ta me reconhecendo ?
Foi lá em águas de lindóia que eu casei, lua de mel… Mas a psiquiatra tá falando comigo agora, como ? Se eu estou com meu filho Lucas dentro da água?
Dona Mirtes ? É a Dra. Carmem podemos ir ? A senhora está bem ?
Carmem… Carmem… remédio… Dra… Muito… forte….
Pode ir Douglas, fica calma dona Mirtes eu se que a senhora ficou muito triste porque seu filho morreu mas você não devia ter tomado todos aqueles remédios.
Eu to bem… Fui ..Lucas.
Eu juro por mim mesmo por Deus por meus pais...” Isso é Leonardo,
Carmem se ela vomitar no meu carro você vai ficar me devendo muito caro…
Faz Silêncio deixa ela dormindo e toca o carro.

O céu e meu filho Lucas ali na minha frente, tão perto, era mentira eu sabia, ele não morreu, não tomou tiro nenhum olha ele, me abraça filho me abraça, consigo sentir seu cabelo… Lucas…

Ela tá acordando…
Ta na hora do jogo Carmem.
Desliga esse rádio… acho que ela vai dizer alguma coisa.

Lucas… Onde tá o meu filho ?
Mirtes é a doutora está me vendo ?
Dra. eu vi… meu ..filho...meu Lucas
Foi só um sonho, ele morreu Mirtes, entende? Seu filho morreu.
Mentira….
Eu não aguento mais chorar mas não consigo suportar, meu filho Lucas, é verdade, Deus levou ele, meu Lucas.
Não acredito que você disse isso Carmem.
Não para de dirigir, isso aqui é pessoal.
Como pessoal ? Se não me contar eu paro o carro.
Douglas… Fica Quieto.
To falando sério.
parem...gritar...parem...Lucas…
Cala a boca Mirtes, dorme….
Agora se você não me contar eu vou parar o carro é sério, porque você está fazendo isso ? Você não é minha irmã ? Não vai me contar ?
Não se envolva nisso
Arvores passando de um lado para o outro sem parar, pinheiros altos e verdes, altos nuvens, eu gosto de nuvens, menos de chuva.
Eu to falando sério.
Liga esse carro Douglas, Liga agora.
Essa mulher não é sua paciente ?
É Douglas, Claro que é.
Por que está fazendo isso com ela ?
Não força barra Douglas.
Lucas… A gente… vai ver o Lucas….
Dirige que no caminho te explico.
Dra… O Lucas…
Cala a boca vagabunda.
Meu rosto dói tanto… como dói o meu rosto…
Porque você bateu nela? Agora me conta? Você já perdeu um filho Carmem, sabe como é difícil e ainda é médica, o que está acontecendo?
Dirige Douglas…
Essa mulher está muito abatida, você também esteve em um abatimento profundo…
Fica Quieto… Você não sabe de nada.
O que essa mulher te fez?
Tentou se matar porque perdeu o filho não está vendo ?
Pela ultima vez… Você sabe do que estou falando…
Já estamos chegando, pode parar ali na frente.
Se não me contar ninguém vai a lugar nenhum.
Meu filho não se matou Douglas...Não se Matou… Vivia Alegre com planos… Foi o filho dessa aqui que mandou ele pular daquela ponde, desafiou… Disse que não tinha coragem… E… Aí… Eu não consigo mais falar…
Contenha-se, pare de chorar, e termine de contar.
Meu filho pulou pra tentar provar pra esse Lucas que era corajoso… Meu filho se foi… Seu sobrinho…
Você mandou matar o menino ? Não consigo acreditar !
E agora é a vez dela… Ela vai sentir o que uma mãe sente…Mas vai sentir é num hospital de gente doida, porque gente que nem ela tem que ser…
Calma Carmem,vamos Conversar, está perdendo o controle…
Agora você sabe, se abrir o bico é preso também, por omissão.
Nós chegamos na igreja de São Bartolomeu.
Cala a boca Mirtes.
Meu rosto foi apanhado pelo poder e energia de Deus, cristo fala comigo.
Para de bater nela, faz o que quiser Carmem… mas você sabe, aqui se faz aqui se paga.
Ela ia contar a qualquer momento sobre a amizade do filho com meu anjinho, eu só me protegi, me aproximei, mediquei… Cheguei ao meu Limite com essa Mirtes. Pare o carro, aí na frente.
Luz de Natal… Que Brilha...Ossana ao Senhor.
Coitada dessa mulher, Você ficou louca.
Ar puro, um céu claro, e está tudo calmo e seguro… as mãos divinas me guiam…
Enfermeira sou a Dra. Carmem e essa é a paciente Mirtes, por urgência meu irmão nos trouxe,muito perigosa, auto extinção, risco de fuga, está tudo aí na pasta junto com a medicação.
A senhora precisa assinar esse papel.
Pronto, mais alguma coisa ?
Os enfermeiros já estão levando ela pro quarto, Boa tarde Dra.
Braços me guiando… e luzes no alto, pessoas descalças...pessoas loucas… porque essas pessoas são loucas ?
Vamos Douglas.
Quarto com camas de ferro, gosto de paredes brancas, to sentindo uma dor forte no braço….
Eu até agora não acredito neste absurdo, estou perplexo.
Era uma dívida que tínhamos, só isso.
Só isso ? Só? O que foi isso Carmem? O que acabou de acontecer ?
O Abatimento.





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