Durante a viagem de avião uma
enfermeira a bordo solicita a presença da aeromoça, ao seu lado o paciente
entubado imóvel. Julia se aproxima, o homem está gemendo, dor exposta,
tempestade algébrica ressaltam os raios que iluminam os longos corredores
vazios.
― A senhora
poderia chamar algum médico que esteja no avião, temo que o Dr. Roberto não
está bem.
A enfermeira
parece não se importar com a situação.
― Ele está
sentindo alguma coisa? Logo pousamos. ― A jovem aeromoça se preocupa, checa a
lista de passageiros em seus bolsos.
― Acho que
deve ser só uma dor de estômago, nada grave. ― Ainda sorri.
― De
qualquer forma não posso incomodar nenhum outro passageiro senhora ―
Desconfiada da mulher ― Tem certeza que ele precisa ver um médico? Você mesma
diz que pode ser apenas uma dor de estômago.
― Eu disse
que “Pode ser”, e se não for? E se algo grave o acomete por dentro fazendo seu
sangue percorrer tão rápido até seu cérebro que explode sujando o corredor?
Aeromoças
não são treinadas para reagir frente ao sadismo. Um jogo de gestos e sensações
de arrepio, fitou a enfermeira, perguntou-lhe:
― A senhora
está me ameaçando?
― Claro que
não, não vê que preciso da sua ajuda? Júlia não é mesmo? O nome da minha filha
―Lábios largos abre grande sorriso ― Além do mais não faço ameaças, sou uma
enfermeira boa. ― Lábios largos abrem gargalhada.
― A senhora
está me assustando.
Júlia deu-lhe
as costas e seguiu até o fim do corredor.
― Aonde vai
querida? E o médico?
Ouviu
gargalhadas ao fundo e apressou o andar até a cabine do comandante.
― Senhor
comandante? Senhor? ― Ninguém responde ― Comandante? Senhor?
Bate na
porta com desespero, enfim ela abre.
― Graças a
Deus ― Ela abraça o homem que abre a cabine ― Pensei por um momento estar
sozinha neste avião, uma mulher está...
―Calma,
acalme-se que barulho é esse aqui fora? ― Ele a interrompe ― Aconteceu alguma
coisa?
― Preciso
falar com o comandante, urgente.
―O
comandante está ocupado.
―Acho que
não me sinto bem ― Limpou o rosto com as mangas.
―Você é nova
nesta companhia? Está ciente do protocolo de hoje?
―Não,
trabalho a alguns anos, que protocolo você diz?
―Este avião
vai atingir o congresso Nacional em algumas horas.
A mulher
incrédula acorda no chão do banheiro, respira com fúria, a cabeça dói. Algumas
lembranças embaraçadas.
“―QUEM ESTÁ
PILOTANDO? ―Júlia grita em memória.
― Não grite,
faça silêncio. ― O homem prende a respiração e delicadamente aproxima as mãos
até o rosto dela ― fique quieta tem algo na sua testa.
Ela já em
estado de choque se paralisa imaginando perder a vida.
―Por favor
não me mate! ― Aos prantos a aeromoça trêmula pede socorro.
― Não seja
histérica mulher.”
― Quem é
você? ― Ela pergunta a si mesma no espelho. ―Tente se lembrar mais um pouco,
não foi isso que aconteceu.
“― QUEM ESTÁ
PILOTANDO?
― Eu sou o
médico que chamaram para atender o homem entubado com dor de estômago.
―RESPONDA!
―Não há
ninguém pilotando”
Saindo do
banheiro rapidamente ela percebe que o avião está caindo, sinais de alerta,
caos, Júlia que caminha tonta até a cabine, trancada, o painel ao lado destrava
a porta, mas ela precisa de códigos anotados na prancheta que ficou no banheiro.
“Olá Júlia” , voz equalizada vinda do teto.
―Quem está
aí? ― Se assusta
“Antes de
digitar o código deve antes pressionar o botão vermelho”
―É o piloto
automático?
“Sim”
―Me diga
qual o código! Agora!
“Primeiro aperte o botão”
“Primeiro aperte o botão”
Após fazê-lo
um alarme ecoou, a jovem aeromoça viu o fogo em sua direção, o impacto imediato
com a superfície de concreto, explosão estrondosa.
Como não ficar morto
Julia? Está me ouvindo?
Ela está no limbo, sua
inexistência subjetiva lhe cala,
Julia, ACORDA!
―Estou cansada, cansada de vozes e suas
incógnitas.
Júlia,
abra os olhos, sou eu, Victor, quem está escrevendo este texto, você é minha
personagem, ACORDA!
―Isso não pode ser possível, estou morta, não
foi isso que escreveu? Não explodiu o avião?
Sim
eu escrevi isso mas vou te dizer como não ficar morta, claro se for de sua
vontade, é da minha ciência que a morte traz sabedoria irrefutável.
―Mas não sou merecedora de tal sabedoria,
ainda tenho ânsia pelos erros ignorantes da experiência de vida
Pois
bem, voltemos na parte em que você acorda no banheiro, assim que sair de lá vá até...
―Espere! Isso fará com que eu fique viva?
Claro,
não foi isso que combinamos?
―Sim mas posso pedir uma coisa?
Verei
se é possível...
―Eu posso sobreviver e mesmo assim deixar o
avião atingir o congresso nacional?
Bom,
acho que não faz mal se tratando só de um texto. Enfim, você vai acordar no
banheiro e fazer tudo que eu digo tudo bem?
―Estou pronta.
Júlia acorda
no banheiro e olha no espelho, sua cabeça dói, em suas veias correm vida
pulsante, a respiração é leve contrastando com a alta adrenalina, espera minhas
instruções.
―Júlia, é o
Victor, estou falando na sua cabeça, saia daí devagar e corra até a cabine do
piloto.
―Entendi.
Ela espera
alguns segundos antes de abrir a porta, respira bem fundo como se fosse dar um
mergulho demorado o oceano, o avião está caindo, é difícil permanecer em pé,
ela segue até seu destino, alarmes iluminam o caminho, a aeromoça se
desequilibra caindo numa poltrona.
―Júlia você
está bem?
―Estou, só
está um pouco difícil enxergar.
―Vou dar um
jeito.
As luzes se
acendem de repente, ela viu a a cabine, conseguiu alcança-la sem dificuldades.
―Muito bem
agora digite o código. Zero... Quatro...Sete...
―Zero, Quatro,
Sete...
―O último é
o Três.
―Pronto, mas
a porta não abriu.
―Não
importa, este código é pra manter a porta trancada assim ninguém sai lá de
dentro, corra até as bagagens e procure uma caixa grande com uma faixa amarela,
seja rápida, você só tem 3 minutos.
Correndo
contra o tempo e contra a resistência gravitacional chega até a grande caixa de
madeira, espessa, bruta, os alarmes não descansam.
―E agora o
que eu faço Victor?
―Abra esta
caixa, tem uma abertura na parte de cima, ela guarda uma câmara de
sobrevivência espacial, a única coisa que aguentará o impacto, entre dentro
dela.
Júlia tenta
subir na caixa, mas é muito alta, maletas de ferramentas servem para apoiar sua
subida, sem sucesso, a caixa é alta demais.
―Anda Júlia,
o tempo está passando.
―Não consigo
subir.
Ela tenta
uma última vez, o avião se aproxima do solo Brasiliense, as curvas de Niemeyer
em pouco tempo serão escombros, farinha de tijolos. Ela desiste de tentar
subir, abre uma das maletas e encontra um machado, suas batidas violentas
contra a madeira encontram uma fresta, ela entra na caixa.
―Júlia, você
precisa entrar na câmara, aperte os botões verde e amarelo.
―Obrigada.
No momento
do choque a mulher aciona as travas de segurança. Sobreviveu.
Continua Amanhã.
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